segunda-feira, 25 de março de 2013

Sobre a vida e sobre a morte.

Sábado fez três meses que meu pai morreu, e essa é a primeira vez que consigo escrever sobre isso. Tenho tentado bravamente vencer a negação, conversar com algumas pessoas sobre a morte, a morte do meu pai. Mas acabo sempre com a sensação de que ninguém, nem mesmo meus irmãos, é capaz de compreender o turbilhão de sentimentos que se revolve dentro de mim.

É, a morte é uma experiência individual. Eu e meus irmãos perdemos nosso pai. Mas o Sr. Renato era três pais ao mesmo tempo, foi um pai para o Mac, outro pai para o Ju e um outro para mim. Talvez, por isso, seja tão difícil mensurar o tipo e a profundidade da dor que ficou pra cada um de nós, ou mesmo compartilhar a dor.

Meu pai teve o primeiro AVC na véspera do meu aniversário de 14 anos, de lá pra cá foram mais sete, com o oitavo ele só aguentou três semanas. Isso significa que em 18 anos me despedi e me preparei para a sua morte por sete vezes. 

Eu tinha certeza que estava preparada, mas no último não tive coragem de visitá-lo. Apesar de todos os apelos da minha família e amigos, não consegui. Cheguei a ter uma crise de asma emocional, e ir até São José dos Campos dois dias antes dele morrer, mas não consegui fazer a oitava despedida, a despedida final. 

Houve um momento em que a solidariedade das pessoas já me incomodava, porque não me deixava esquecer que me pai estava morrendo, que tantas questões nossas que ainda estavam em aberto não seriam concluídas.

No fundo eu ainda acalentava a esperança de um dia encontra-lo consciente, olhar nos seus olhos verdes e dizer que apesar dele ter feito tantas coisas para odiá-lo, ainda assim eu o amava e esperava que um dia ele percebesse que perdeu a oportunidade de ser um bom pai para os bons filhos e filha que ele teve a sorte de ter e nunca foi capaz de perceber, porque era egoísta demais pra desfrutar da dádiva de bons filhos. Mas, que apesar disso, fomos tão bons que cuidamos dele em todos os momentos que precisou.

Cheguei em São José dos Campos uma hora antes do enterro. Não queria ir, mas minha mãe e meus irmãos mereciam o mínimo de solidariedade. Quando cheguei no velório fiquei infinitamente feliz e orgulhosa pelos três, não havia coroa de flores e o caixão era dos mais simples; eles não encenaram a "morte de um pai de família", mas garantiram um féretro humano. As carpideiras estavam mais tristes que nós, na verdade o que encontrei foi uma sensação de cumplicidade e alívio, como se todos dissessem nos olhares: "finalmente".

Ele foi enterrado as 10 da manhã, na véspera de Natal. Ali mesmo no cemitério nos despedimos da minhã mãe e dos meus irmãos e voltamos pra São Paulo. Meu companheiro e meu filho foram excepcionais! E, mais uma vez meus irmãos e minha mãe me surpreenderam, quando eu liguei à tarde pra saber como todos estavam, descobri que o quarto em que meu pai passara os últimos anos já estava desmontado e meus irmãos (um budista e o outro ateu) preparavam uma ceia de Natal, coisa que desagradaria muito meu falecido pai ateu.

A morte dele encerrava o período Nelson Rodrigues da família, e eu e meus irmãos iniciávamos uma fase meio Andrade-Camus*.

*Em referência à crônica "O Peru de Natal", de Mario de Andrade e ao livro "O Estrangeiro", de Albert Camus.





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