terça-feira, 8 de outubro de 2013

Entre a apatia e a histeria

Viver na comunidade "uspiana" é uma resistência diária contra a apatia, o embotamento, o individualismo e a "loucura". "Entramos na melhor universidade do Brasil, uma das melhores do mundo", entre tantos títulos de tantos rankings que a tornam a Meca da Meritocracia tupiniquim.

Essa meritocracia estimula o individualismo, a competição. "Já que estou entre os/as melhores, preciso ser o/a melhor de todo/as". Esse processo metamorfoseia seres humanos em autômatos, é aí que começa o embotamento. "Tenho que ter um bom Lattes". "Tenho que ter boas médias". "Tenho que fazer um intercâmbio". Tenho que, tenho que, tenho que... Eu, eu, eu... Esse individualismo e essa competição conduzem a uma apatia em que as pessoas se despersonificam, centram o olhar para o próprio umbigo e não percebam o/a colega ao lado, perambulam de casa para a USP e da sala de aula para a biblioteca, como se o conhecimento pudesse ser consumido como Coca-Cola, iPad ou Abercrombie.

A "loucura" é a resposta dos/as que lutam desesperadamente contra essa lobotomia acadêmica. Parece o Neto, personagem de  O Bicho de Sete Cabeças, lutando contra as intervenções psiquiátricas no manicômio. Precisamos observar essa loucura sem paixões. É verdade que muitos grupos chamados de "loucos" ou "ultra" atuam no movimento estudantil e/ou sindical na lógica da sua autoconstrução, mas não dá pra jogar todas essas pessoas numa vala comum. Penso que diante do sistema capitalista, vendo o tecido social destruído, algumas pessoas acreditem que o melhor é pegar o programa máximo e marcar uma data para a revolução.

Quantas vezes a histeria do programa máximo ainda vai impedir que tenhamos avanços ainda que pequenos? Até quando as pessoas se interessarão mais pelo grupo político a que o interlocutor representa do que em suas ideias? Até quando nossas assembleias gerais serão pautadas pela disputa da mesa? Por quanto tempo as intervenções serão uma competição entre quem é mais extremista?

Cada vez que vou a uma assembleia geral a histeria me joga na apatia. Volto pra casa com uma sensação de frustração e impotência gigantes, talvez por isso aquele/a colega que encontramos na faculdade e que tem ideias e opiniões tão bacanas desistiu do movimento estudantil, ele/ela não padece do meu otimismo teimoso.

Entre a histeria e a apatia existe um espaço gigantesco, onde pode estar a esperança acompanhada de gente que quer construir coletivamente. Que, muitas vezes não sabe como, mas quer mudar o mundo (ei, você leitora e leitor, se souberem como me avisem). Eu não sei como mudar o mundo, mas sei que ele precisa de transformações profundas. Eu não sei como essa mudança acontece, mas sei que o silêncio e a histeria não nos moverá. Sozinha, com um balde não consigo apagar um incêndio, mas com algumas pessoas bem treinadas salvam-se muitas vidas (brigada de incêndio).

E não dá pra colocar a culpa no Rodas, vejam, eu não o defendo, não votei nele e nem posso votar com o Estatuo (des)atual da USP. Mas antes do Rodas, o reitor que perdeu a eleição antidemocrática, teve a Sueli Vilela. Ela convocou um congresso estatuinte dos três setores (estudantes, funcionários e professores), e esse congresso foi implodido por causa do Programa Máximo. Talvez, hoje, estivéssemos lutando por outras pautas, mas continuamos a mesma luta de 42 anos.

Por que vamos nos digladiar brigando pela vírgula? Por que, nós, estudantes, não lutamos POR UMA ESTATUINTE e quando a conquistarmos, disputamos seus artigos? Porque para alguns setores, uma vitória real, colocaria fim à vidraça com a qual estão acostumados a lutar.








terça-feira, 1 de outubro de 2013

Sobre pedras e vidraças

Toda vez que disputei qualquer coisa e a minha vitória significou a derrota de alguém, sempre me recordo do meu irmão dizendo que maus vencedores são piores que maus perdedores. Essa lição tem me acompanhado desde a minha primeira vitória, na eleição do Grêmio Estudantil da escola.


Quando há disputas, perder e ganhar fazem parte do jogo. Tão importante quanto jogar limpo, é admitir a derrota e ter comedimento na vitória, mesmo quando é uma vitória acachapante. Até porque, quando a derrota implica em perder tudo, o comedimento implica aos vencedores a abertura do diálogo com os perdedores, a democracia não deve ser um instrumento de esmagamento das minorias. Ao mesmo tempo,  Aos derrotados, também é esperado o comedimento, não é porque se tomou um nocaute que vale dedo no olho.

Tão importante saber ser vidraça é saber ser pedra. Já perdi algumas eleições e, sim, é amargo o gosto da derrota e é difícil fazer avaliações dela sem estar tomada pelas paixões. A saída fácil é culpabilizar o eleitorado ou tentar desmoralizar o processo eleitoral, desqualificação. Tão fácil como ser uma oposição que rasga o próprio programa e passa a agir na onda do "quanto pior melhor" ou a oposição que ignora a derrota e tenta a todo custo implementar o programa derrotado nas urnas.

Aprendi e continuo a aprender a ser pedra e a ser vidraça (mais pedra que vidraça). Como vidraça, sempre me esforcei e não desisto de tentar refletir as boas opiniões, construir consensos e permitir que haja espaços para as divergências, e sempre estive junto à pessoas que pensam assim. E, como pedra, sempre preferi unir-me à outras pedras e construir pontes, é bem melhor do que quebrar vidraças.

P.S.: Já quebrei algumas vidraças, apenas quando as pontes não conduziriam a lugar nenhum

segunda-feira, 25 de março de 2013

Sobre a vida e sobre a morte.

Sábado fez três meses que meu pai morreu, e essa é a primeira vez que consigo escrever sobre isso. Tenho tentado bravamente vencer a negação, conversar com algumas pessoas sobre a morte, a morte do meu pai. Mas acabo sempre com a sensação de que ninguém, nem mesmo meus irmãos, é capaz de compreender o turbilhão de sentimentos que se revolve dentro de mim.

É, a morte é uma experiência individual. Eu e meus irmãos perdemos nosso pai. Mas o Sr. Renato era três pais ao mesmo tempo, foi um pai para o Mac, outro pai para o Ju e um outro para mim. Talvez, por isso, seja tão difícil mensurar o tipo e a profundidade da dor que ficou pra cada um de nós, ou mesmo compartilhar a dor.

Meu pai teve o primeiro AVC na véspera do meu aniversário de 14 anos, de lá pra cá foram mais sete, com o oitavo ele só aguentou três semanas. Isso significa que em 18 anos me despedi e me preparei para a sua morte por sete vezes. 

Eu tinha certeza que estava preparada, mas no último não tive coragem de visitá-lo. Apesar de todos os apelos da minha família e amigos, não consegui. Cheguei a ter uma crise de asma emocional, e ir até São José dos Campos dois dias antes dele morrer, mas não consegui fazer a oitava despedida, a despedida final. 

Houve um momento em que a solidariedade das pessoas já me incomodava, porque não me deixava esquecer que me pai estava morrendo, que tantas questões nossas que ainda estavam em aberto não seriam concluídas.

No fundo eu ainda acalentava a esperança de um dia encontra-lo consciente, olhar nos seus olhos verdes e dizer que apesar dele ter feito tantas coisas para odiá-lo, ainda assim eu o amava e esperava que um dia ele percebesse que perdeu a oportunidade de ser um bom pai para os bons filhos e filha que ele teve a sorte de ter e nunca foi capaz de perceber, porque era egoísta demais pra desfrutar da dádiva de bons filhos. Mas, que apesar disso, fomos tão bons que cuidamos dele em todos os momentos que precisou.

Cheguei em São José dos Campos uma hora antes do enterro. Não queria ir, mas minha mãe e meus irmãos mereciam o mínimo de solidariedade. Quando cheguei no velório fiquei infinitamente feliz e orgulhosa pelos três, não havia coroa de flores e o caixão era dos mais simples; eles não encenaram a "morte de um pai de família", mas garantiram um féretro humano. As carpideiras estavam mais tristes que nós, na verdade o que encontrei foi uma sensação de cumplicidade e alívio, como se todos dissessem nos olhares: "finalmente".

Ele foi enterrado as 10 da manhã, na véspera de Natal. Ali mesmo no cemitério nos despedimos da minhã mãe e dos meus irmãos e voltamos pra São Paulo. Meu companheiro e meu filho foram excepcionais! E, mais uma vez meus irmãos e minha mãe me surpreenderam, quando eu liguei à tarde pra saber como todos estavam, descobri que o quarto em que meu pai passara os últimos anos já estava desmontado e meus irmãos (um budista e o outro ateu) preparavam uma ceia de Natal, coisa que desagradaria muito meu falecido pai ateu.

A morte dele encerrava o período Nelson Rodrigues da família, e eu e meus irmãos iniciávamos uma fase meio Andrade-Camus*.

*Em referência à crônica "O Peru de Natal", de Mario de Andrade e ao livro "O Estrangeiro", de Albert Camus.